
O que fazer em Saint-Malo, na Bretanha
Uma das cidades mais famosas da Bretanha, Saint-Malo encanta com suas muralhas, belas praias, variações impressionantes de marés e muita história para contar. Durante minhas andanças pelo norte da França, tive a oportunidade de conhecer esse lugar encantador e preparei aqui um guia com dicas e ideias do que fazer em Saint-Malo.

Um pouco de história
Saint-Malo é conhecida como a “cidade corsária“, pois durante muitos anos foi habitada principalmente por esses “piratas” autorizados pelo governo a atacar navios estrangeiros. Além de combater as embarcações inimigas do rei, os corsários também abordavam todos os navios que passassem pelo Canal da Mancha para cobrar tributos.
Os exímios navegadores de Saint-Malo também exploraram terras mais distantes, como o Canadá – que teve algumas regiões descobertas por Jacques Cartier – e as Ilhas Malvinas (“Îles Malouines”) – cujo nome vem justamente da frequente presença de marinheiros da cidade corsária.
Aliás, um dos “filhos” de Saint-Malo teve uma pequena participação na história do Brasil em 1711: René Duguay-Trouin sequestrou o Rio de Janeiro em 1711 e só liberou a cidade após receber um belo resgate, que consistiu em 600 quilos de ouro, 610 mil cruzados, 100 caixas de açúcar, 200 bois, escravos e dezenas de outros itens.

O espírito independente dos habitantes de Saint-Malo chegou a transformar a cidade em uma República separada do resto da França. Em 1590, os moradores da cidade, recusando-se a se submeter às ordens de um rei protestante (Henrique IV), mataram o governador e declararam sua independência, que perdurou por quatro anos!
Foi dessas ideias rebeldes que surgiu o famoso lema de Saint-Malo: “Ni Français, ni Breton, Malouin suis !” (“Nem francês, nem bretão, malouin eu sou”).
Infelizmente, boa parte do que você vier a conhecer em Saint-Malo foi reconstruído após a Segunda Guerra Mundial, quando 80% da cidade foi queimada e destruída. Mas não se preocupe, pois os responsáveis pelos restauros foram extremamente fiéis em manter a cidade exatamente como era antes, fazendo com que a gente possa caminhar entre casas e edifícios com a mesma aparência de quando os corsários moravam ali.

Como chegar em Saint-Malo
Se quiser sair de Paris direto para Saint-Malo, a maneira mais rápida é pegar um TGV (trem de alta velocidade) que parte da Gare de Montparnasse e chega na cidade em 2h20min.
De carro, a viagem dura no mínimo 4 horas e pode ser feita pela A13 (com opções de paradas em algumas cidades encantadoras da Normandia) ou pela A11 (que passa pertinho de Chartres e Rennes).

Eu, particularmente, incluí Saint-Malo em uma viagem de carro por cidades da Normandia e da Bretanha, tornando todos os deslocamentos curtos e muito tranquilos. Para ter uma ideia, a cidade corsária fica a apenas uma hora do imperdível Mont-Saint-Michel, sendo possível inclusive fazer um bate-volta de um dia até lá.
O que fazer em Saint-Malo
Se você chegar em Saint-Malo de carro, sugiro colocar no GPS o Centro de Informações Turísticas, pois ali perto há diversas praças de estacionamento para escolher (todas têm o número de vagas disponíveis em letreiros na entrada), incluindo algumas opções subterrâneas (como o Q-Park Saint Vincent).
Antes de entrar na cidade murada, dê uma voltinha pela área portuária, onde você vai encontrar uma estátua de Chateaubriand (famoso escritor francês nascido em Saint-Malo), o cassino e uma réplica em tamanho real de uma fragata corsária do século XVIII, chamada Étoile du Roy.

– Castelo e Place Chateaubriand
Atravesse a Porte Saint-Vincent para ingressar na cidade antiga e, à direita, estará em frente ao castelo construído no século XV que hoje abriga a prefeitura de Saint-Malo. Chamam a atenção a torre principal (Grand Donjon) em formato de ferradura e as quatro torres de esquina (Tour Générale, Tour Quic-en Groigne, Tour Dames e Tour des Moulins) que já anunciam a fortificação em bastião que Vauban adotará no final do século XVII.


Na Place Chateaubriand, em frente ao castelo, há diversos restaurantes simpáticos com mesas na rua.

– Muralhas de Saint-Malo
Pegue a primeira escadaria que encontrar e suba nas muralhas, para iniciar uma das partes mais interessantes do passeio por Saint-Malo.
Construídas inicialmente entre a Idade Média e o fim do século XVII, e expandidas de 1708 a 1744, as muralhas fazem toda a volta na citadela, em um percurso de 1754 metros. Há apenas uma pequena parte remanescente da construção original, apelidada de “Petits Murs” (pequenos muros), que fica entre a Tour Bidouane e o Bastion de la Hollande.

É muito legal caminhar sobre as muralhas, pois dali a gente tem uma visão completa tanto das ruelinhas da cidade quanto do mar e das ilhas fortificadas nos arredores. Aliás, se você tiver oportunidade, tente passear por ali na maré baixa e na maré alta para se impressionar com as diferenças na paisagem.
A primeira coisa que a gente vê quando sobe ao lado do castelo é a Plage de l’Eventail e o Fort National, construído em 1689 e que pode ser acessado a pé durante a maré baixa (quando cheguei, inclusive não me dei conta que aquilo era uma ilha…).

A Baía de Saint-Malo foi altamente fortificada desde o século XVII para proteger ao máximo a cidade. O engenheiro Garangeau, utilizando planos desenhados por Vauban (arquiteto chefe do rei Luís XIV), construiu quatro fortes nas ilhotas ao redor da baía, tornando completamente inacessíveis as entradas do porto. São eles que a gente observa ao longo do passeio pelas muralhas.

Continuando a caminhada, sempre com uma bela vista da baía, chegamos à Tour Bidouane, uma grande torre em formato de ferradura construída (em sua aparência atual) no século XV. Foi contra essa torre que os anglo-holandeses direcionaram seu ataque de 1693 apelidado de “máquina infernal”, em que um navio cheio de explosivos seria jogado contra as muralhas para destruí-las. De qualquer forma, a tentativa não deu certo, pois o navio acabou batendo contra rochedos situados mais para nordeste, entre a cidade e o Fort National.

Suba na torre e aproveite a paisagem! Lá de cima, você terá uma visão bem ampla da baía, conseguindo enxergar a ilhota de Grand Bé, o Fort du Petit Bé, o Fort National e ainda uma parte da cidade murada.

Logo atrás da Tour Bidouane fica uma fortificação chamada de Cavallier des Champs-Vauverts, construída em 1652. Sobre ela, você verá uma estátua representando o famoso corsário nascido em Saint-Malo Robert Surcouf.

A caminhada continua pela parte do muro que fica acima da Plage de Bon-Secours, a praia mais central da cidade fortificada e onde foi construída uma piscina de água do mar muito interessante. Quando a maré sobe, ela desaparece e renova totalmente sua água, e quando a maré baixa, os banhistas têm uma piscina maravilhosa para aproveitar (tem até um trampolim!).

Do Bastions de la Hollande você terá uma ótima vista dessa praia, e também vai encontrar por lá uma estátua do navegador famoso por suas descobertas no Canadá, Jacques Cartier.
Dali até o Bastion Saint-Louis, a muralha nos leva pertinho das enormes casas dos ricos armadores e corsários que viveram em Saint-Malo no século XVIII, as quais foram reconstruídas de forma quase idêntica depois das destruições trazidas pela Segunda Guerra Mundial em 1944.

A mais famosa delas é o Hôtel d’Asfeld, construída por um dos mais ricos corsários da cidade, Magon de la Lande. Já serviu como prisão para mulheres durante a Revolução Francesa e hoje é propriedade particular, só podendo ser visitada com hora marcada.

Olhando para fora dos muros, a vista agora é para o porto de Saint-Malo e para o constante vai-e-vem de barcos (dali partem diversos ferries que vão para a Inglaterra e para as ilhas de Guernsey e Jersey).

Por fim, antes de finalizar a volta completa na muralha, você passará sobre a Grand’ Porte, a mais antiga de Saint-Malo, que faz parte da construção da época medieval – naquele tempo, chegava-se até ela de barco!

– Ilhas de Grand Bé e Petit Bé
Outra coisa que adorei fazer em Saint-Malo foi atravessar a pé, na maré baixa, até a Ilha de Grand Bé, que fica bem em frente à Plage du Bon Secours.

Foi nessa ilha que o escritor romântico François-René de Chateaubriand escolheu ser enterrado, com uma bela vista para o mar.

É uma travessia muito interessante, pois a gente caminha por uma área que, poucas horas antes, estava completamente submersa. Assim, há muitas algas, mexilhões e conchas pelo caminho.

Também é impressionante o fato de que há uma passarela que leva da praia até a ilha, que só aparece quando a maré baixa. Fiquei imaginando o trabalho para construir aquilo apenas durante as horas que o mar recuava (como faz para secar o cimento?).
Lá do topo da ilha, tem-se a melhor vista para a cidade murada de Saint-Malo, um panorama completo e encantador.

O mar também fica com tons de verde ainda mais lindos, especialmente para a parte de trás da ilha e na direção do Fort du Petit Bé, que fica logo ao lado.

Esse forte teve sua construção terminada em 1707 e foi restaurado graças aos fundos de um apaixonado por fortificações marítimas. Também é possível acessá-lo a pé, mas a água sobe mais cedo ali do que na Ilha de Grand Bé, então é preciso ter mais cuidado.
Quando cheguei até ele, também por um caminho de pedras, a água já cobria o último trecho, sendo necessário molhar até os joelhos para passar. Como estava de calças compridas, tive que deixar para outra ocasião, mas não pude resistir colocar os pés na água cristalina que o circundava.

Para saber quando visitar essas ilhotas, é necessário olhar a tábua de marés de Saint-Malo e programar o passeio entre 1h30 antes e 1h30 depois do pico de maré baixa. Se não quiser consultar o site, pode passar no centro de informações turísticas e perguntar em quais horários é seguro fazer a travessia naquele dia.

O Fort National, por sua vez, tem uma maneira particular de indicar quando é permitido o acesso: a bandeira francesa é içada durante os horários de abertura!
– Saint-Malo Intramuros
Passear pelas ruas do interior da muralha de Saint-Malo é uma delícia! Elas são repletas de lojas, cafés, confeitarias e restaurantes, pedindo para serem explorados.


Tem lojas de marcas famosas, pequenas butiques autorais, lojas de presentes, lembrancinhas e muitos produtos regionais. Não deixe de degustar os famosos biscoitos amanteigados, os caramelos e o folhado típico da Bretanha, o kouing-amann.

Na escolha dos restaurantes, recomendo alguma creperia (afinal, você está na terra dos crepes e galettes) ou algum lugar especializado em frutos do mar, para provar, quem sabe, as “moules”, o marisco típico da região.

Algumas das principais ruas de comércio da cidade são Rue Porcon de la Barbinais, Grand Rue, Rue Broussais, Rue de la Vieille Boucherie e todas nos arredores.

– Catedral de Saint-Vincent
Talvez o principal “ponto turístico” da Saint-Malo Intramuros seja a Catedral Saint Vincent, construída inicialmente no século XII. Dessa primeira igreja, restou apenas a nave com suas esculturas romanescas e sua abóbada, a parte central do transepto e os resquícios de um antigo claustro.

A partir daí, cada século trouxe sua contribuição para a catedral, que acabou sendo gravemente destruída durante os bombardeios da Segunda Guerra Mundial. Após ter sido cuidadosamente restaurada, foi reinaugurada em 1972 com novos vitrais de Ingrand e Le Moal, uma bela roseta colorida e um pináculo, oferecendo hoje em dia uma importante coleção de arte sacra dos séculos XII ao XXI.

Na Catedral Saint Vincent estão os túmulos dos navegadores Jacques Cartier e Duguay-Trouin.
– Plage du Sillon
Partindo de Saint-Malo intramuros e indo em direção a Paramé, estende-se a praia que já foi eleita diversas vezes a mais bonita da França (incluindo em 2023, pelo TripAdvisor): a Plage du Sillon.
Essa praia divide-se em Grande Plage, Plage de la Hoguette e Plage de Rochebonne e tem como destaque a longa faixa de areia macia (algo raro na França).

O que eu achei mais curioso é que, dependendo das marés, a praia simplesmente desaparece! O mar sobe até a altura do dique e as pessoas precisam descer uma escadinha (que nem de piscina) para tomar banho.
Eu adorei caminhar pelo calçadão à beira-mar ao pôr-do-sol, curtindo a vista e observando as belas “villas” do fim do século XIX.


Em alguns trechos da praia, você vai reparar no típico quebra-mar feito em tocos de carvalho, utilizado para impedir que as ondas gigantes que surgem quando a maré está muito alta não entrem demais na cidade. Dizem que a parte enterrada é igual ou mais alta do que a parte visível!
A partir de Saint-Malo, é possível conhecer algumas outras cidades em bate-voltas bem tranquilos, como é o caso de Dinan, Dinard, Cancale e Mont-Saint-Michel.
Leia também:
- Dinan: cidade medieval pertinho de Saint-Malo
- Cancale: o paraíso das ostras na Bretanha
- Dinard: balneário da aristocracia na costa da Bretanha
- O que fazer em Rennes, a maior cidade da Bretanha
- O que fazer em Rouen, a capital da Normandia
- Honfleur: a cidade mais bonita da Normandia
- Deauville e Trouville-sur-Mer: as praias mais próximas de Paris
- Monte Saint-Michel: guia completo para sua visita
- Étretat: o paraíso das falésias na Normandia
- Jardins de Monet em Giverny: tudo que você precisa saber
- Roteiro entre Normandia e Bretanha de carro
- Francês para viagem e dicas para ser bem tratado na França